CONTOS PARTE II
O toque súbito do telefone trouxe-lhe de volta a consciência como um vidro que se estilhaça. Por alguns segundos ficou imóvel, fitando o aparelho como quem teme um inimigo conhecido. Hesitou em atender, uma apreensão indefinida o impedia, mas a insistência mecânica do som acabou por vencê-lo. Esticou a mão trêmula e ergueu o braço com esforço: — Alô — disse com voz seca, quase inaudível, sentindo cada sílaba arranhar-lhe a garganta. Silêncio. Uma pausa longa e angustiante que o fez apertar os lábios com força. — Quem está falando? — insistiu, agora com mais vigor, dominado por uma irritação repentina. — Sou eu — respondeu uma voz feminina, suave, quase sussurrada, porém estranhamente familiar, como um eco vindo de algum canto remoto e sombrio de sua memória. — Quem? — perguntou com impaciência crescente. — Não se lembra mais de mim? — indagou a voz num tom de leve reprovação. Ele cerrou os olhos com força, sentindo a testa enrugar-se num esforço desesperado por recordar, por ident...